A procura de um estilo próprio

Foto_2Próximo à vitrola, passava manhãs inteiras na intimidade com o violão, debruçado nas gravações de Baden Powell, afundando-se nos discos, como se fosse possível visualizar a agilidade das mãos do grande violonista. Instigava-lhe a vibração flamenca de Baden, e procurava deduzir e aplicar no próprio violão os movimentos dos dedos, o jeito de puxar as cordas no rastro de um som cada vez mais puro.

Não se contentava com o que já sabia, queria aprender muito mais. Paulinho Nogueira o introduzira no universo do violão que compreende a descoberta da passagem do acompanhamento para o solo. Como fazer do acompanhamento um solo. “De repente virei um solista de violão, e só”, explica Toquinho. “Faltava-me versatilidade para outras coisas”.

Nos bailes de formatura animados pela orquestra Simonetti, ao invés de dançar, ficava o tempo todo próximo da orquestra observando Edgar Gianullo “estraçalhar” a guitarra: “Eu ficava abismado em ver como ele harmonizava. Era daquilo que eu precisava. Queria aprender todas aquelas inversões de acordes que só ele sabia fazer”.

De sua posição no palco, Edgard estranhava aquele garotão lá embaixo, na pista de dança, sem dançar, parado em sua frente, olhos grudados em tudo o que ele fazia. Nos intervalos, Toquinho tentava conversar: “Inversões incríveis essas que você faz…”. O músico desconversava, afinal, quem era o doido falando em acorde naquela hora? Toquinho não desistia, no baile seguinte, lá estava de novo sugando as harmonias do Edgard. Até que um dia, tentou: “Você não quer me dar algumas aulas?” A resposta veio direta: “O quê? Não, não dou aulas, não gosto de dar aulas!”. Depois de muita insistência, Edgard concordou. Toquinho lembra a primeira vez que esteve na casa do músico: – Cheguei lá, e ele me pediu para tocar alguma coisa. Nunca me esqueço, comecei a tocar “Consolação”, de Baden e Vinicius. Então, a mulher dele saiu da cozinha e veio para a sala, e ele falou para ela: “Você nunca parou pra me ouvir tocar, e agora corre aqui pra ouvir esse cara que está tomando aula comigo!”. Então, eu disse a ele: “Vim aqui aprender aquilo que você sabe melhor do que todos: harmonizar com tantas inversões diferentes”.

Foto_8Oscar Castro Neves, foi outra pessoa fundamental no fortalecimento da estrutura musical de Toquinho. “Oscar e eu ficamos muito amigos”, explica Toquinho. “Queríamos as mesmas coisas: tocar, improvisar, aprender cada vez mais. Nosso maior prazer era tocar violão! Então, eu ficava sugando literalmente tudo que o Oscar fazia no violão que pudesse representar aprendizado para mim, tanto que passaram a me chamar de ‘Roley Flex’. Eu havia me empolgado com o que aprendera do Edgard Gianullo e me excedia nas harmonias quando acompanhava alguém. Em cada frase fazia vários acordes, exagerava, e sentia que necessitava de um equilíbrio. O contato com Oscar me fez entender que ele era um misto de Paulinho Nogueira e Edgard, representando a sensatez dessa mistura. Comecei a perceber que em determinados trechos eu não precisava fazer tudo o que fazia. Ele começou a me dar um peso, uma noção de violão, pois a concepção de acompanhamento do Oscar trazia o bom gosto extraído da Bossa Nova, possuindo já uma grande experiência musical. Passei a conjugar essa noção de equilíbrio a uma coisa que eu tinha, e ele não: a técnica de solar. Eu tirava do violão um som mais puro”.

Ao mesmo tempo que buscava em Oscar Castro Neves a excelente especialidade harmônica, deixava-se aberto à influência do outro amigo, Chico Buarque: não se prender a uma específica tendência musical, valorizar a forma mais simples dos compositores antigos, ligar-se também em Ismael Silva, Lamartine Babo, Noel Rosa. Desta maneira, Toquinho ia edificando em si mesmo um conhecimento musical abrangente baseado na amizade por pessoas de talentos tão especiais.

Quando conheceu Baden Powell mais de perto, Toquinho ficava explorando as coisas dele. Toquinho fala sobre isso: “Depois de ter aprendido com o Oscar Castro Neves a colocar o acorde com mais equilíbrio, comecei a conviver com o Baden, esse grande violonista, que era outro mundo, outra história. O mais simples de todos, simples demais. Harmonizava o mínimo necessário, um gênio do ritmo, no impulso, na linha afro.

A música do Baden tem aquela coisa africana, vulcânica, que retrata a personalidade dele. O Baden não é um cara tranqüilo, harmonioso, doce. A música dele não é comportada, é explosiva, dilacerante. Eu absorvi um pouco esse som do Baden, que é muito limpo e forte. Ao mesmo tempo perdi uma certa doçura do Paulinho Nogueira. A pessoa toca como é. Sempre fui uma pessoa extrovertida e procurava essa extroversão no violão, ser para fora, alegre, fazer a música com emoção.

Posteriormente, para livrar-se das influências de Paulinho e Baden, estudou violão clássico com Isaías Sávio.

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6 Respostas

  1. Eduardo Santesso

    Bom dia amigo!
    Primeiramente parabéns pela musicalidade e estilo próprios, um grande dom de Deus, particularmente gosto e aprecio demais, obrigado por expressar tão bem esse dom e contribuir com a musica brasileira, você possui algum método próprio para violão? Indicaria algum?…Forte abraço!!! Obrigado.

  2. Daniel Carvalho

    Toquinho, legal você disponibilizar sua história com o violão. Lendo esse texto me identifiquei… estou nessa mesma caminhada que você estava: em busca de um estilo próprio. Treino todo dia, todo dia arrumo um tempo, ainda que de madrugada. Estou evoluindo. Por enquanto estou focado nos acordes, mas logo vou estudar harmonização, solos, etc. Daqui a pouco chego lá, assim como você chegou, conseguindo transmitir a sua maneira de ser para o violão.

    Aquele vídeo que você toca Tarde em Itapuã com Gilberto Gil está muito legal.

    Abraço.

  3. Joaquim Luiz

    Toquinho, gostaria de dizer que sou muito grato pela beleza e harmonia de seu trabalho. Eu como canhoto tento tocar suas músicas usando o violão como destro. Em termos de capacidade técnica, isso pode trazer algum prejuízo? O que você recomenda para aqueles que são iniciantes no ritmo de samba para violão. Muito obrigado!

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