Primeiros discos

A primeira experiência de Toquinho em discos deu-se em 1965, gravando um compacto pela RGE.

Compacto era um disco um pouco maior do que o CD de hoje, em 45 rotações. Toquinho gravou, ao vivo, num dos shows do Paramount. De um lado, “Só tinha de ser com você”, de Jobim e Aloysio de Oliveira; e do outro lado, “Primavera”, de Lyra e Vinicius. Foram prensados 500 discos, e mais nada!

No ano seguinte, Toquinho experimentaria a emoção de ter seu primeiro LP gravado pela Fermata, numa indicação de Walter Silva, avaliada pelo então diretor artístico da gravadora, Júlio Nagib. O disco chamou-se “O violão do Toquinho”. São solos de violão apoiados pelo órgão de Ely Arcoverde, pela flauta de Thommas Lee e pela bateria de José Roberto Marco Antonio. Das 13 músicas executadas, cinco contém a presença de Vinicius de Moraes: “Valsa de Eurídice”, só do poeta; “Deixa” e “Canto de Ossanha”, com Baden; “Zambi”, com Edu Lobo; e “Marcha da quarta-feira de cinzas”, com Carlos Lyra. Nas outras faixas, ouve-se “Réquiem para um grande amor”, de Edu Lobo e Ruy Guerra; “Antes e depois”, de Oscar Castro Neves; “Pequeno concerto que virou canção”, de Geraldo Vandré; “Allemande”, de Bach, num arranjo de Toquinho; “Dá-me”, de Adylson Godoy; “Sonho de um carnaval” e “Olé-Olá”, de Chico Buarque; e uma raridade: “Triste amor que vai morrer”, a única gravação de uma composição de Elis Regina. Grandes amigos, na época, Elis e Toquinho. Quando resolviam dar trégua às gargalhadas, elegiam-se confidentes.

Toquinho gravaria seu segundo LP, intitulado “Toquinho”, pela RGE, em fins de 1969.

Nesse disco, ele se aventurava pela primeira vez como cantor. A música “Na água negra da lagoa”, de sua autoria, surge com indícios de sucesso. “Que maravilha” é interpretada junto com Jorge BenJor, e Toquinho tem a companhia de Paulinho Nogueira solando “Bachaninha nº 1″.

Nos anos anteriores à gravação desse disco, Toquinho tornou-se integrante do programa da TV Excelsior, “Ensaio Geral”, que reunia um grupo de artistas como Geraldo Vandré, Paulinho Nogueira, Cyro Monteiro, Sérgio Ricardo, Marília Medalha, Cláudia, Nanna Caymmi, Maria Bethânia, entre outros.

viva-d-divaEnquanto tudo isso acontecia por aqui, Toquinho experimentava as emoções de sua primeira viagem para a Europa. “Em 1968, fui pela primeira vez para a Itália, fazer arranjos de base para um disco que o Chico ia gravar com Enio Moriconi, grande maestro”, conta Toquinho. “Eu ficava no estúdio, orientava o Chico nas gravações, uma espécie de produtor executivo. Quando chegamos em Roma, o Sérgio Bardotti estava nos esperando. Logo identifiquei-me inteiramente com a cidade. Lembro-me da primeira volta que dei por Roma, acompanhado pelo Bardotti. Diante do Coliseu, a vontade que tinha era que todos os meus amigos estivessem comigo, meu irmão, meu pai, minha mãe. Roma me revelava uma luz incrível. À noite, aquela cidade assume uma vida fantástica. Parece que durante o dia os monumentos dormem e à noite é que eles despertam. A luz de Roma é algo indescritível. Grande cidade que me golpeou de uma forma total, no bom sentido. Paixão à primeira vista, e é até hoje a cidade da Europa com a qual mais me identifico e que mais amo. Foi Roma que provocou em mim situações absolutamente inesquecíveis. Mais que a fotografia da memória, fica o perfume da atmosfera daqueles dias e daqueles momentos. Quer dizer, eu sei o que é, sinto isso, mas não dá para explicar falando”.

Um fato de destaque na vida e na carreira de Toquinho é, sem dúvida, a convivência com Chico Buarque, em várias fazes de sua escalada profissional. A amizade entre os dois se iniciou muito antes daqueles shows no Teatro Paramount. Carregavam com eles a indiferença pelos compromissos e cortejavam as improvisações da juventude. Degustavam as madrugadas no Sand Chrurra’s da Galeria Metrópole e comemoravam a aurora com média e pão e manteiga na padaria da esquina da Consolação com a Paulista, depois das serenatas às namoradas. Para Toquinho, o violão era ainda um anagrama com muitos sinais escondidos. E Chico ainda não era o Chico, era o Carioca, que começava a surgir com seu acanhamento e seu violão em clubes e faculdades, cantando músicas que as pessoas não conheciam, mas que pediam bis quando ele terminava. Desde esses primeiros tempos de conhecimento, a amizade entre os dois se fortaleceu em meio a shows, viagens e experiências humanas das mais diversas naturezas e conseqüências.

Em 1968, no auge da ditadura militar, deu-se a perseguição de tantos brasileiros. Alguns sumiam, sem paradeiro revelado; muitos passavam por prisões torturantes, outros eram forçados, ou iam por si mesmos, à procura de um exílio. Era o caso de Chico Buarque, que foi para a Itália, e não podia voltar. “A repressão era muito forte”, relata Toquinho. “Havia uma tensão geral, principalmente nos setores cultural e artístico. Parecia que queriam decapitar todas as cabeças que pensavam com mais liberdade e discernimento. Em reação a tudo isso, levantava-se uma onda de tropicalismo descontrolado, não se sabia que rumo a música ia tomar. E em meio a todas essas indefinições, inclusive pessoais, o Chico me chamou, de Roma, para trabalhar com ele numa temporada de vários shows. Em 16 de maio de 1969, Toquinho recebera um telegrama de Roma, como último alerta:

“PREPARE PASSAPORTE MALA SACO VIOLÃO FICANDO PRONTO PARA NOSSA CHAMADA BREVE”.

Toquinho havia levado na bagagem a solidariedade ao amigo, a impetuosidade dos 23 anos e a garra da não-desistência. Os objetivos artísticos de ambos, porém, nem sempre foram animadores, tendo mesmo de aceitar qualquer tipo de convite. Apresentaram-se em castelos medievais para platéias bizarras. Levaram calote de empresários, sujeitaram-se a viagens arriscadas. Até conseguirem se destacar num show na boate Bússola, uma das mais concorridas da sofisticada praia de Viareggio. Eles se apresentavam sempre juntos, acreditando na simplicidade de seus talentos: Chico e violão; Toquinho e violão. Nenhum outro acompanhamento. Toquinho acompanhava Chico em todas as músicas, destacando-se no apoio violonístico. Cantava junto em algumas delas, e fazia, sozinho, dois solos de violão, podendo mostrar toda sua técnica instrumental. Sem ser ainda um artista popular na Itália, Chico já era conhecido pelo sucesso de “A Banda”. No entanto, Toquinho era totalmente anônimo. O que não impediu que a platéia da Bússola se encantasse, naquela noite, com os dois solos de violão que ele fazia no show: teve de bisar duas vezes.

O produtor, Bernardini, animado pelo sucesso dos dois brasileiros, convidou-os para atuar na primeira parte de um espetáculo, juntamente com uma cantora canadense e um grupo de roqueiros italianos. A segunda parte seria exclusiva para o brilho da famosa Josephine Backer. Foram 35 shows por toda a Itália, de norte a sul, durante os quais a finíssima dama da Europa, conhecida como “La Backer”, mantinha uma rigorosa hierarquia de trabalho, jamais sendo vista, senão em cena, e viajando sempre na frente, em sua luxuosa Mercedes, na companhia de seu pianista, misto de empresário e namorado, enquanto Chico e Toquinho iam chacoalhando com todo o resto do grupo num ônibus tipo cristaleira.

tudo-de-novoQuase seis meses de Itália ao lado de um amigo exilado contribuíram para uma evolução íntima de Toquinho: expandir limites profissionais, avaliar sua técnica no violão, lidar com a necessidade de trabalho na velha Europa, de pessoas muitas vezes sagazes e sem escrúpulos. E ao mesmo tempo, topar com a força do aconchego de amigos como Sérgio Endrigo e Bardotti. Encerrada a temporada de 35 shows por toda a Itália, Toquinho deixou gravada a qualidade de seu violão em um disco produzido por Sergio Bardotti em homenagem a Vinicius de Moraes, com a participação do poeta italiano Giuseppe Ungaretti e de Sergio Endrigo: “La vita, amico, é larte dellincontro”. Nada mais sugestivo para o título de um disco que seria fundamental para a posterior aproximação de Toquinho e Vinicius de Moraes, que redundaria no início da grande parceria. Toquinho voltava para o Brasil em novembro de 1969. Dois dias antes da partida, já antecipando a saudade do amigo, deixara com Chico um tema de despedida para que ele colocasse letra, consolidando esse tempo agridoce que passaram juntos. Tentando achar as palavras para aquela música, Chico conseguiu, naquele dia, fazer a letra do final da melodia, que soava como um pedido a Toquinho:

“Vê como é que anda
Aquela vida à toa
Se puder me manda
Uma notícia boa”.

Havia se iniciado, em Fiumicino, pela última estrofe, o que dois anos depois, seria concretizado como “Samba de Orly”, já com a sutil intervenção de Vinicius de Moraes.

Voltando ao Brasil, em janeiro de 1970 Toquinho fez a direção musical da peça “Tudo de Novo”, interpretada por Marília Medalha, Gianfrancesco Guarnieri e Miriam Muniz, sob a direção de Silvio Zilber.

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