O show do Canecão

1977: O show do Canecão, com Jobim, Vinicius, Toquinho e Miúcha

Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha conseguiram transformar o enorme pal-co do Canecão numa aconchegante sala de visitas durante quase oito meses de apresentações que alcançaram limites de público e permanência jamais igualados até hoje naquela casa de espetáculos. O show foi feito em tempo recorde. A ideia nasceu a partir do LP “Miúcha & Antônio Carlos Jobim”, lançado no começo do ano de 1977.

Foto_1  As músicas “Pela luz dos olhos teus”, “Vai levando” e “Maninha” faziam do disco um grande sucesso. Em cima disso, o Mário Priolli, dono do Canecão, chamou Tom e Miúcha para fazerem um show lá, e convidou o Aloysio de Oliveira para cuidar da organização e da direção. O Aloysio mandou logo um recado, que achava uma loucura fazer um show só com Miúcha e Tom, baseado no sucesso do disco, que por mais sucesso que o disco fizesse, era um sucesso baseado na Zona Sul, e o Canecão é uma casa muito grande. Surgiu então a ideia de convidar Toquinho e Vinicius, e juntar as duas duplas. A preparação do show foi feita em duas semanas. Toquinho explica como foi desenrolado esse novelo: “Foi uma grande idéia a de formar as duas duplas, por todas as interligações que apresentavam. Aí, começamos a nos reunir para resolver o show, e aconteciam coisas impressionantes, uma verdadeira comédia. Depois do Bon Gourmet, em 1962, o Tom Jobim não havia feito mais nada que se referisse a shows. Pode ter feito algo com o Sinatra, cantado duas ou três músicas, uma homenagem, sei lá. Mas, show? Ensaio, estréia, roupa, luz? Entrada e saída de cena, har-monias, arranjos? Nunca! Então marcávamos encontro no Plataforma, grande churrascaria do Rio de Janeiro, para falar sobre o show. Começávamos a chegar às duas da tarde, mais ou menos. Aperitivos, vinha o almoço, e as bebidas continuavam. Ficávamos tocando violão, e só. Saíamos às sete da noite, e não se decidia nada.

O Aloysio era muito político e todo mundo tinha pruridos com o Tom Jobim, que teimava em cantar as coisas dele mais sofisticadas. E eu sugerindo sempre o mais simples, pois sabia o que era um show, já tinha uma experiência grande, e o Aloysio também defendia esse lado da simplicidade. O Vinicius ficava na dele, não se intrometia. Para ele, tudo estava bom, tudo era lindo. Eu vi que não ia dar, pois ninguém entrava direto no assunto. Um dia, então, deixei minha posição bem clara, que Tom cantasse ′Corcovado′, ′Garota de Ipanema′, ′Água de beber′, suas coisas mais conhecidas”.

Mesmo que se buscasse o mais simples, era uma tarefa penosa condensar apenas vinte e poucas músicas que pudessem representar toda a genialidade naquele palco. A concepção do roteiro baseou-se nas duas duplas, que se intercalavam. Miúcha cantava com Tom, com Vinicius e com o Toquinho. Cada um fazia dupla com o outro numa rotação o tempo todo. O roteiro foi feito nesse sentido. “Este show já nasceu feito. Estava somente esperando a hora de ser realizado.

Foto_5Quando a gente se encontra participando numa realização dessa natureza, não se tem a mínima ideia do que ela representa. Tenho certeza que mais tarde chegaremos à conclusão que participamos de um dos maiores momentos de nossa música. Estamos aí”. Expressivo e verdadeiro es-se texto curto de Aloysio de Oliveira na contracapa do LP – Som Livre gravado ao vivo, contendo os melhores momentos daquele show no Canecão. Se ao próprio diretor escapava a ideia do que representava para a história musical aquela realização apoteótica, o que se dizer, então, da reação do simples espectador. Tudo o que se fazia naquele palco não tinha nenhuma preocupação de inovar, surpreender ou espantar. No entanto, embasbacava. Havia ainda na retaguarda uma tremenda orquestra de sopros, metais e outros sons regida pelo maestro Edson Frederico. Integrando todo esse grupo musical, um coro feminino: as outras três irmãs Buarque de Holanda, Beth, filha de Tom, Aninha, que depois se casou com Tom, Olívia Hime e Georgiana, filha de Vinicius.

“Tudo foi uma festa, desde o primeiro ensaio até o último dia”, salienta Toquinho.

“O Canecão lota-do o tempo inteiro, o contrato inicial era para dois meses, acabamos ficando sete. A alegria começava nos camarins com amigos e convidados. Bebia-se uma média de duas garrafas de uísque por noite. Depois do show, era jantar aqui e ali, todas as noites. Além disso, houve momentos de “canjas” antológi-cas. Uma noite, sem que ninguém soubesse, Roberto Carlos entrou cantando ′Lygia′, desde a coxia, e foi cantá-la junto com o Tom.

imagem1-(1)Foi muito bonito. Numa outra noite, Oscar Peterson subiu ao palco, improvisou, tocou ′Wave′ no piano. Foram duas aparições marcantes durante a temporada”. Claro que esse show não se limitou ao Canecão. Em fevereiro de 1978, realizou-se uma temporada de um mês em Mar del Plata, na Argentina. De-pois, uma semana no Anhembi, em São Paulo, e, finalmente, o percurso pela Europa: mais de dez dias no Olympia de Paris, sendo que três dessas apre-sentações contaram com a participação de Baden Powell; uma noite no Palla-dium de Londres e o giro pela Itália, além de gravarem na Suíça um especial para a TV, considerado o melhor especial do ano. O espetáculo de despedida deu-se no dia 11 de outubro de 1978, em Firenze.

Por essa época, Vinicius começava a declinar fisicamente. Porém, ninguém poderia imaginar que só lhe restavam 20 meses de vida. Esse declínio físico talvez até influísse no afrouxamento de seu impulso poético, pois sua parceria criativa com Toquinho já passara pelo apogeu e agora deslizava por uma curva descendente. Ninguém melhor que Toquinho poderia sentir e compreender esse fato natural, tanto que seu trabalho com Vinicius já derivava muito mais para as apresentações em shows do que para a busca de novas composições. “Já não compúnhamos mais como antes”, explica Toquinho. “Mas era normal isso.

Começa-se a correr o risco de se repetir. O grande desafio do compositor é fugir de sua própria sombra. O passado vai ficando grande, às vezes, maior do que a gente mesmo. Quando se começa a compor, abrem-se todos os caminhos. E você vai se alicerçando naqueles que você se identifica mais. Com o tempo, os achados e as idéias tendem a se tornar mais escassos. O grande desafio é quando você tem de compor e não pode se repetir. Tem de encontrar alternativas. E há uma cobrança geral, da crítica, do público, da mãe, do amigo, do irmão. E sua, inclusive. Então, esse afunilamento é a coisa mais normal do mundo”.

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4 Respostas

  1. Cintia Scelza

    Eu não fui a esse show, mas estive nele milhares de vezes. Eu tinha uns 8 anos de idade quando Vinicius partiu mas ele, assim como todos os outros nomes desse show, fazem parte da minha identidade. Meus pais compraram esse LP logo que ele saiu e nós ouviámos mais de duas, três, cinco vezes a cada fim de semana. Minha casa sempre foi lugar de encontros de amigos. Todos os fins de semana. Eu cresci no meio das conversas animadas de gente querida, e vocês também estavam lá. Às vezes como co-compositores de uma atmosfera de alegria, e tantas outras vezes como provocadores de temas de conversa animadas. As palavras e os sonhos de vocês são tijolos de quem eu sou hoje, do modo como eu sinto e me relaciono com as pessoas e com o mundo. Os anos passaram, eu tenho hoje minha família e minha casa, que continua a tradição de lugar de Encontros, e as vozes e os sonhos de vocês ecoam aqui também, mesmo sendo em terras anglo-saxãs, onde vivo há doze anos. As músicas de vocês continuam embalando meus próprios sonhos; mas mais do que isso, esse show é uma dessas peças que me fazem sentir em casa, não importa aonde no planeta eu esteja. Elas são lugar que habito em momentos felizes e também naqueles momentos que todos nós vivemos, quando precisamos reacender da nossa bússola emocional interna.
    Obrigada, Toquinho, Tom, Miúcha, Vinicius. Estamos aí…. gente amiga que muito se quer… pro que der e vier….

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